domingo, 14 de novembro de 2010

E toda aquela exaustão agora já não mais refletia apenas nos rostos cansados dos dois. Davam as mãos enquanto andavam juntos. Contavam piadas, tomavam sorvete enquanto passeavam no parque de diversões. Eram superficialmente felizes. Eram completos em suas cascas de pessoas protegidas. Porem, ao deitarem em suas camas, cada qual virado para o lado oposto ao outro, pensavam e sonhavam e choravam baixinho por saudade de alguma experiência vivenciada nos anos anteriores aos de casados, ou porque sentiam-se cansados de toda aquela realidade normal. Os dias passavam lentamente, quase não percebiam sol, estrelas, a fragrância exalada das flores durante a primavera. Viviam enclausurados naquele apartamento com cheiro de mofo, sem nenhuma samambaia para regar ao fim do dia, ou uma sacada para apreciar o silencio da rua nos domingos de inverno. Havia pouco diálogo quando estavam sozinhos dentro da gaiola mofada. Comentavam sobre o capitulo da novela das oito, ou assistiam algum clássico dos cinemas de 1950.
Ela sempre fora muito resguardada. Não comentava detalhes sobre sua juventude antes de conhecê-lo. Guardava segredos que ele também não fazia questão de saber, já que também camuflava os seus com todo o cuidado para não transparecer. Escondiam o passado como se escondessem crimes.
E assim viviam suas vidas retratadas em dias, meses, anos. Distanciavam-se cada vez mais entre si. Se distanciavam cada vez mais do passado particular de cada um, já que o tempo se encarregava em deixar para trás as épocas de mocidade. E sorriam enquanto dormiam. Recordavam-se todas as noites e deliciavam-se de lembranças. Lembranças suficientes que satisfaziam desejos.